30 de setembro de 2010

Os pioneiros da aviação na História dos Açores…

Em vésperas das comemorações do 80º. Aniversário do 1º. Voo Aéreo realizado nos Açores a partir de terra, mais concretamente do também primeiro aeródromo dos Açores, na Achada Ilha Terceira, transcrevemos, com a devida vénia do Correio dos Açores.
"O presente artigo já pecava pelo atraso. Planeado para comemorar os 92 anos do primeiro voo nos Açores, foi sucessivamente adiado por diversas razões. Em todo o caso, fez em Fevereiro passado 92 anos em que pela primeira vez levantou (e se observou) um avião nas ilhas dos Açores.
Efectivamente, no dia 23 de Fevereiro de 1918 levantaria voo junto ao forte de São Brás o primeiro avião americano da base aeronaval implantada em Ponta Delgada no final da Grande Guerra (ou da I Guerra Mundial como é vulgarmente conhecida). Constituída em finais de 1917 e Janeiro de 1918, esta base estrangeira em solo nacional seria o clímax de uma situação que desde 1914 tendia a agonizar-se nos mares açorianos, em grande parte provocada pelo desaparecimento dos grandes navios de guerra de superfície ingleses, arrastando (e afundando consigo) todo o comércio das ilhas em virtude do progressivo aumento da actividade dos U-boats alemães nas imediações.
Fácil se tornaria encontrar um exemplo, entre vários, de uma guerra mundial complexa para os açorianos. Este progressivo crescimento da actividade submarina alemã junto às ilhas teria o seu culminar no ataque do Deutchland a Ponta Delgada, a 4 de Julho de 1917, do qual haveria de resultar a morte de uma jovem e o afastamento da unidade naval alemã mediante a forte oposição da artilharia americana a bordo do navio carvoeiro Orion (embora apoiado pela artilharia portuguesa, que foi ineficaz, por estar mal posicionada).
A forma como a defesa das ilhas seria encarada após este evento, seria diferente, quer pelas autoridades nacionais, quer pelas estrangeiras. Dentro deste novo espírito, e como resposta a uma serie de directivas aliadas no Atlântico, a que as comunicações não são alheias, os EUA acabariam por vir para a maior cidade do arquipélago com 150 fuzileiros, duas peças de artilharia de costa, navios e patrulhas costeiras, submarinos e hidroaviões.
O Coronel Afonso Chaves chegaria a fotografar estas aeronaves. Contudo a fotografia a preto e branco tem as suas limitações. Sobre estas máquinas voadoras que encantaram todos aqueles que as desconheciam (ou mesmo aqueles que as já tinham visto por intermédio do cinematógrafo) pouco se sabe.
No dia em que o primeiro grande hidroavião Curtiss HS-2L descolou da baia do porto de Ponta Delgada, a cidade susteve a respiração. Pela primeira vez via-se uma máquina humana a imitar o voo dos pássaros, apesar do seu barulho sui generis.
A partir dessa altura, a agitação da urbe iria tornar-se típica de uma grande base naval, com muitos soldados portugueses e americanos a circularem pelas ruas; muitas viaturas militares americanas a apitarem para desimpedirem caminho e monoplanos ou biplanos estrelados de vermelho e branco a voarem por cima da população.
A sua missão estava essencialmente ligada ao patrulhamento marítimo, sendo rotineira a ida e volta a Vila Franca do Campo. A autonomia destes aviões era ainda muito curta, rondando os 600 km. Em todo o caso, das suas missões será de destacar a primeira filmagem da costa Sul da ilha de São Miguel (desaparecida) e projectada duas vezes no recentíssimo (ao tempo) Coliseu Micaelense, em festas de angariação de fundos para a Cruz Vermelha Portuguesa.
Terminada a guerra, a base seria desactivada, ainda a tempo de prestar apoio à travessia do hidroavião NC 4 em Maio de 1919, que é recebido em apoteose pelos micaelenses. O amigo americano, que havia defendido a cidade em 1917, e ajudado os micaelenses (e não só) ao longo de 1918, voltara a praticar outro grande feito.
De facto já se aguardava esta travessia do Oceano Atlântico desde 1914. Na época, a única dúvida para um dos órgãos de comunicação social micaelense, seria se o América (provavelmente um Curtiss H - América) amararia ou aterraria. Contudo o seu feito tardou por problemas técnicos, apesar da alta recompensa em jogo. Esta inovação tecnológica havia de ser rapidamente aperfeiçoada durante a Grande Guerra, tornando-se num dos muitos factores de mudança que caracterizam aquela que seria descrita como a mãe de todas as guerras.
Como ilhas dispersas no meio do Atlântico, a notícia de uma máquina que voava, aproximando terras remotas, revelara-se desde de inicio como um tema apaixonante. Numa região de pequenos trilhos em terra, em que nem todos conheciam os locais mais exóticos, mesma da sua freguesia, a ideia de uma máquina que em horas atravessaria o vasto oceano ligando dois continentes, apresentava-se como algo deslumbrante.
Contudo, a nível nacional também se estavam a dar os primeiros passos na aviação portuguesa: em Maio de 1914 surge a Escola de Aeronáutica Militar e em 1915 seria feito o concurso para a entrada de dez militares do Exército ou da Marinha (uma vez que havia uma secção naval), para formação numa escola de aviação estrangeira. Já em beligerância, Portugal teve que adquirir rapidamente algum material e pessoal especializado. Dentro deste espírito, em Outubro de 1916 entraria em funcionamento, sendo Artur de Sacadura Freire Cabral, oficial da Marinha de Guerra Portuguesa, seu director. Sacadura Cabral fazia parte do núcleo dos pioneiros da aviação portuguesa, formados em escolas estrangeiras, sendo camarada do capitão Francisco Xavier da Cunha Aragão, o «herói de Naulila», que de acordo com um órgão de comunicação social micaelense tinha raízes no Nordeste. O orgulho sentido neste filho da terra leva a que o mesmo jornal destacasse a sua chegada aos EUA em finais de 1915, referindo-se em 1 de Janeiro de 1916, que se encontrava em Nova York para aprofundar os seus conhecimentos por intermédio da aviação americana
Com o evoluir da guerra, nas frequentes crónicas da front são comuns os relatos da aviação no campo batalha, em especial dos apaixonantes combates aéreos (reproduzidos de acordo com a prosa da época nos órgãos de comunicação social) ou mesmo as fantásticas travessias aéreas (em que sucessivamente se batiam novos recordes), cuja incerteza pela vida era uma constante.
Se sobre Francisco Xavier da Cunha Aragão ainda poderá haver alguma dúvida sobre a sua naturalidade, sobre o tenente Adolfo Trindade não há. Trata-se de um dos pioneiros da aviação portuguesa, faialense de raiz e piloto pelo primeiro curso de pilotagem em Portugal.
Oficial da Marinha de Guerra portuguesa, havia aperfeiçoado os seus conhecimentos com uma série de cursos no estrangeiro até ser chamado em meados de Junho de 1918, à ilha de São Miguel para ser o comandante de uma possível base naval portuguesa nos Açores. Esta base acabaria por não passar do papel, apesar de ainda terem sido feitas algumas diligências para a sua instalação.
Uma vez ultrapassada a hecatombe que se lançou sobre a Europa entre 1914 e 1918, e superada a difícil tarefa da travessia aérea do Atlântico Norte, os anos de 1920 e de 1930 haveriam de se revelar como importantíssimos na história da aviação mundial, com reflexos em ambas as margens do oceano e claro está, na posição geoestratégica das ilhas.
Pelas ilhas haveriam de passar então Charles Lindbergh; o marquês Francesco De Pinedo e o seu Santa Maria II; a primeira mulher a voar no Atlântico, a austríaca Lilly Dillenz e o seu Junkers D 1230; miss Ruth Elder, que entretanto havia perdido o seu American Girl; a esquadrilha dos lindíssimos Savoia-Marchetti s.55 de Ítalo Balbo e Frank Courtney com o seu Dornier Do J Wal, para não deixar de mencionar máquinas fantásticas como o DOX, o Zephir da Deutsche Luftansa do III Reich e claro está, o Graf Zepellin.
Incontornável será a referência ao primeiro aeroporto nas ilhas, nomeadamente o campo da Achada na ilha Terceira, e a ascensão aos céus açorianos da primeira aeronave terrestre por cá, o Avro 504 K, baptizado Açor, com outro pioneiro da aviação açoriana aos comandos, o tenente Frederico Coelho de Melo, natural dos Altares, isto a 4 de Outubro de 1930.
Ainda mais importante do que a passagem destes vultos e máquinas dos pioneiros da aviação, uns com mais sucesso, outros com menos, seria o resultado final de uma série de ilações retiradas destes voos e que permitiriam o estabelecimento das primeiras rotas comerciais transoceânicas, como por exemplo para a Pan American Airways e os seus Yankee Clipper durante a II Guerra Mundial, assim como para a Air France e Imperial Airways.
Desta forma torna-se relativamente simples perceber que a história dos pioneiros da aviação nos Açores ainda tem muitas páginas para contar. Por exemplo, será de realçar a tentativa fracassada de estabelecer um recorde português da travessia Lisboa-Funchal-Ponta Delgada a bordo de um Fokker T. III W, o Infante de Sagres, em Março de 1926, lograda a poucas milhas de Ponta Delgada.
Os Fokkers T III W haviam vindo para Portugal no âmbito de um ousado projecto para realizar uma viagem aérea à volta do mundo no sentido inverso ao percurso de Fernão Magalhães (isto já no rescaldo do sucesso da travessia aérea do Atlântico Sul em 1922). Contudo, a sina a que ficariam associados começaria logo a 1 de Novembro de 1924: Sacadura Cabral desapareceria no mar do norte, apenas se encontrando um flutuador da sua robusta aeronave. O Infante de Sagres, teria sina similar, embora menos funesta. Ao levantar de Lisboa a 20 de Abril de 1926, teve o primeiro contratempo perto de um enevoado Funchal, acabando por amarrar em virtude de sobreaquecimento. Os seus dois pilotos da Aeronáutica Naval seriam encontrados no dia a seguir, por um barco de pesca, a 13 km do destino. Uma vez rectificada a avaria e ultrapassadas as burocracias, ascenderiam novamente aos céus a 9 de Maio, procurando retomar a tentativa de recorde, cujo vértice seguinte seria Ponta Delgada. Acabariam por novamente serem forçados a amarar em Vila Franca do Campo, por falta de combustível. Uma vez em Ponta Delgada, com a aeronave assente no varadouro do Corpo Santo (ao lado do forte de São Brás), os pilotos acabariam por regressar a Lisboa por ordem superior de barco, bem como o avião, às peças.
Outro episódio digno de referência será a estadia em Ponta Delgada de uma esquadrilha francesa de Breguet-bisert pertencentes à 1ª Esquadra Ligeira do Atlântico. Os quatro trimotores de reconhecimento aéreo franceses amararam ao porto da cidade micaelense às 14 horas de 19 de Maio de 1938, ou seja há 72 anos. A amaragem, à boa maneira do elevado gosto da época não seria feita de forma regular. Várias manobras seriam feitas para encanto da população e o último amararia mesmo em sentido contrário (Leste-Oeste), numa manobra arriscada no interior da baia do porto micaelense.
Faziam parte de uma esquadra francesa em manobras no Atlântico (e aproveitariam a ilha para concretizar algumas, junto à Bretanha), e pelos registos da época tinham dez homens de tripulação, pesavam dezoito toneladas, recebendo cada 2. 000 litros de combustível da firma micaelense J. H. Ornelas, ao tempo agente da Shell para os Açores.
A esquadra chegaria no dia seguinte, salvando terra a tiros de artilharia logo pela manhã e que seriam correspondidos pelo forte de São Brás, ainda hoje em dia responsável por esta centenária forma de saudação a embarcações estrangeiras. Ao contrário das aeronaves, que tinham vindo de Cherburgo, via Best e Lisboa, as onze unidades de superfície da Marinha de Guerra francesa haviam feito um desvio, passando pelo Funchal.
Entre a calorosa recepção, destacam-se os fervorosos jantares de ambas as partes, os passeios às Sete Cidades e Furnas com as autoridades civis e militares locais, e claro está, os empolgantes jogos de futebol entre os locais e os estrangeiros. Contudo, a visita desta esquadrilha poderá estar associada aos estudos pioneiros da grande aviação transoceânica, uma vez que por detrás destas aeronaves (que conheceriam diferentes versões) encontrava-se o fundador da Air France. Uma vez em Ponta Delgada, sairia uma aeronave rumo à Horta e uma segunda a Angra do Heroísmo.
Nesse mesmo ano, nova visita seria feita a Ponta Delgada, mas por uma divisão da Marinha de Guerra portuguesa, comandada por um notável filho da terra, o Capitão de Mar e Guerra Alfredo Botelho de Sousa, a comandar o Bartolomeu Dias (navio – chefe) e os destroyers Douro, Tejo, Lima e Dão, os submarinos Espadarte e Golfinho, e o aviso João de Lisboa.
Nesta fase, Portugal tinha duas embarcações com sistemas embrionários, típicos nos estudos desenvolvidos desde o fim da Grande Guerra, e que haveria de desembocar no desenvolvimento dos porta-aviões. São chamados de sistemas de catapulta, que catapultavam aviões a bordo das embarcações com vista a uma maior operacionalidade e diversidade nas operações. Uma destas embarcações era o Bartolomeu Dias, que tinha a bordo um Hawker Osprey III, rapidamente posto a sobrevoar Ponta Delgada.
Estes hidroaviões, integrados na Armada Naval em 1935 foram os únicos aviões embarcados da Armada portuguesa. Seriam rapidamente substituídos a bordo por canhões anti – aéreos e destacados para Macau onde serviram até 1941. As fotos aqui apresentadas poderão ser únicas no que concerne à sua actividade, uma vez que existem sites oficiais que negam a sua existência a bordo do Afonso de Albuquerque e do Bartolomeu Dias.
A sua presença a bordo é plenamente registada pelo Correio dos Açores, para além das suas ousadas manobras sobre a cidade e as suas duas descidas na Lagoa das Sete Cidades, uma das vezes, em ambas, para delírio de locais que ocorreram de barco a cumprimentar os pilotos navais.
Seriam o culminar de pouco mais de duas décadas de pioneirismo, aventura (com ou sem rádio, peça fulcral caso a missão corresse mal) e euforia de homens e máquinas. São igualmente duas décadas de autêntica “revolução” industrial na produção de aeronaves: de madeira e tela, passara-se a aviões com estrutura e revestidos a metal; de cabines descobertas a cobertas; de velocidades e raios de alcance autonomias na ordem dos 145 Km/h e 402 Km do Avro 504 K, para os 602 Km e 760 Km do Supermarine Spitfire Mk Vb ao inicio da II Guerra Mundial (neste caso um caça. Num bombardeiro famoso como o Consolidated B-24 Libereator, o raio de alcance atingia os 4.585 Km).
A expressão máxima da aviação nos Açores durante a II Guerra Mundial seria a criação de dois aeródromos em São Miguel e Terceira, a que se seguiria um em Santa Maria ainda antes do final da hecatombe. Ainda tutelados pela aviação do Exército Português, em articulação com as forças estrangeiras (nos dois primeiros casos), teriam uma unidade equivalente mas da Aeronáutica Naval no Centro de Aviação Naval de Ponta Delgada, sediado no desaparecido hangar da marinha junto ao forte de São Brás. À semelhança da guerra anterior, e ao espaço entre ambas, o antigo areal que outrora fora o porto da cidade, voltava a receber aeronaves com flutuadores, desta vez da Marinha de Guerra portuguesa.
Deste modo, os açorianos (em especial destas duas ilhas) rapidamente se habituaram aos voos dos aviões Gladiator do Exército, mais tarde reforçados pelos Junkers 52, e os hidroaviões da Marinha, os Grumman G-21-B e G-44 (com rodas incorporadas) e Avros 626, responsáveis pelo primeiro levantamento aerofotográfico das ilhas.
Contudo, a segurança e operacionalidade por eles representada não seriam isenta de riscos: o Exército perderia pelo menos dois pilotos e a Marinha um, entre duas aeronaves destruídas pelo rebelde mar açoriano.
Novamente se constata o papel importantíssimo das ilhas na História das comunicações do Atlântico Norte. Futuros trabalhos que irei desenvolver, trarão mais motivos para comprová-lo (neste e em outros capítulos), uma vez que existe sem dúvida uma historiografia açoriana, razão mais do que óbvia para os nossos alunos terem uma disciplina intitulada História dos Açores. Quando tanto se fala que um dos pilares futuros da economia açoriana reside no Turismo: então não temos que nos conhecer a nós próprios, para nos valorizarmos e nos destacarmos pela diferença? Como o iremos fazer, se os nossos alunos estudam a basílica de São Pedro em Roma (e bem) mas não a igreja de São Pedro em Ponta Delgada? Já Miguel Torga dizia: “Temos que conhecer a nossa terra, mas conhece-la por dentro...”."
CORREIO DOS AÇORES
04 Abril 2010 [Opinião]
Autor: Sérgio Rezendes 
MM

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