29 de agosto de 2010

A TERCEIRA E OS CASTELHANOS

Revista dos Centenários
Dezembro de 1940

A BATALHA DA SALGA IV
por Vitorino Nemésio

O desastre dessa missão não desencorajou D. Pedro de Castilho em S. Miguel. O Bispo era teimoso, tinha pressa de chegar. Vendo que o Pe. Gaspar fizera fraca figura e tendo ali à mão outro terceirense, o Pe. Gonçalves, arcediago da Sé, mandou-o fazer-se à vela. Levava prosa para convencer nove pessoas; mas, ali, só dois factores contavam: o povo, que, detestando o castelhano, sentia no plebeísmo do filho da Pelicana a melhor das legitimidades; e o corregedor, que, conhecendo o povo, sabia servir-se dêle.
O arcediago foi ainda mais mal sucedido do que o outro. A embarcaçãozinha ficou debaixo da fortaleza; tiraram-lhe os remos, proibiram à tripulação todo e qualquer contacto com os traidores escondidos. Enfim, ao cabo de oito dias, lá os recambiaram ao Bispo, de mãos a abanar.
Sabidas estas coisas em Lisboa, onde as astúcias de Cristóvão de Moura e as armas de D. Fernando de Toledo tinham aberto o caminho à entrada de Filipe ll, mandaram D. Pedro de Valdez com navios julgados bastantes para apoiar S. Miguel, vigiar a rota da lndia e reduzir as ilhas que ficavam da Terceira para baixo. As sete naus de guerra tocaram em Santa Maria. Era o rumo tradicional. Daí, D. Pedro de Valdez foi a S. Miguel deixar ordens e amanheceu em Angra a 5 de Julho com mais um galeão, uma caravela e um pa¬tacho.
Ao verem os fumos dos facheiros, tantos quantas as velas, os angrenses estremece¬ram. O partido popular supunha-as socorro de França; os castelhanistas, sopitados, palpi¬tavam vitória. Nem uma coisa nem outra. Era uma frotazita cujo pouco poder os de terra logo sentíram. Em vêz de tentar um desembarque, D. Pedro de Valdez caçava barcos de pescadores fora do alcance das baterias de terra, e, chamando-os à nau capitânea, espremia-os com preguntas sôbre o estado dos ânimos e recursos da ilha. E, sentindo através da recusa de Ciprião de Figueiredo às propostas que mandava para terra a dureza e decisão da ilha, que a própria ronha dos pescadores fílhados não devia velar completamente, ficou pairando ao largo, comunicando a furto com emissários dos ilhéus que eram por Filipe lI, fugidos nos algares e criações do interior.
Em Lisboa e Madrid sabiam-se ou adivinhavam-se estes contras. Os Açores eram a chave da India, não convinha deixá-los na mão de rebeldes, de mais a mais aliados dos franceses, inimigos jurados de Espanha. Além disso era irritante que uns sete calhaus mal guarnecidos, uma espécie de Berlengas, conseguissem, com um simples corregedor à frente, o que um reino inteiro não pudera com todo o povo levantado e uma parte dos grandes a acaudilhá-lo.
continua
MM

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