28 de agosto de 2010

A TERCEIRA E OS CASTELHANOS

Revista dos Centenários
Dezembro de 1940

A BATALHA DA SALGA III
por Vitorino Nemésio

Êste motim foi o fósforo da fogueira patriótica que ardeu, na ilha até tarde. A prisão de Betancór, seguida da de um dos Cantos provedores das Armadas, de um Ceia, de um Bo­carro e de um Neves, desfêz a conspiração. Os conjurados, como que por encanto, desapa­receram, pondo-se a bom recato nas quintas e furnas da ilha.
Agora era o inverno, e o tempo mau da baía é sueste, o quadrante que ar­rasta o vento carpinteiro. Sopra dos ilhéus das Cabras, que velam, com a sua solidão e o seu perrexil a entrada de Angra e atira aos muros da cidade vagalhões de grande crista, prepa­rados lá longe. Em Janeiro (I581) viu-se uma nau empavezada. Batia pavilhão do Rei de França, e a capitão, António Escalim, trazia a boa nova da ajuda que D. António estava recrutando por lá. O povo saíu à muralha a receber os estranjeiros que davam aquele ânimo à terra. Vinham a toque de caixa, com trombetas. Os sinos repicavam; a mosquelaria dos castelos estrondeava ao longe.
A gente da Terceira sempre foi para festas. Uma Relação, escrita uns trinta anos depois do caso, diz que António Escalim foi festejado três dias. Tinha chegado numa sexta. Ao domingo enramaram as ruas, passearam o francês por elas no meio de chacotas e danças - como ainda hoje fazem, salva a diferença de estilo, aos capitãis de fragata e comodoros da Terceira República. O vinho era em tornos.
Também Escalim tomara a nuvem por juno. Não era D. António que estava em França, como êle supunha, mas o Conde de Vimioso, D. Francisco de Portugal. A única coisa certa era o engajamento de gente para se bater pelo bastardo. Não vinha a tempo. A notícia da derrota de D. António no Pôrto veio descoroçoar tôdas as ilhas fiéis, da Terceira até ao Corvo. Em S. Miguel, o Bispo, brigado em Angra com Ciprião de Figueiredo, que não cedia um palmo a tudo o que lhe cheirasse a espanhol (e D. Pedro de Castilho, em breve Vi­ce-Rei de Portugal, dava pano para suspeitas...), fazia a ilha voltar atrás, do efémero passo da aclamação de D. António, bastando para isso que aparecesse um galeão à ponta dos Mos­teiros, com Ambrósio de Aguiar Coutinho governador das ilhas pelo usurpador.
Na Terceira é que semelhantes embaixadores tinham o acolhimento condigno. O ga­leão de Ambrósio de Aguiar, cumprida a missão em S. Miguel, fêz rumo a Angra. Levava corregedor novo, as costumadas letras de promessa e perdão. O governador mandou a terra uma pessoa de lá, o Pe. Gaspar; mas o parlamentário foi recebido de mau modo, êle e o séquito. Se o deixaram reembarcar no batel, foi para que levasse ao governador um não re­dondo.
continua
MM

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